6/30/2009

Entrevista de Renato Imbroisi

“A aliança é fundamental”

Renato Imbroisi é designer, tecelão e empreendedor carioca, e com o Sebrae faz projetos com artesãos por todo o país. Entrevista concedida ao Site A Casa em 18.06.2008

Você acha que o artesanato está em crise? Pode chegar ao fim? Qual seria um caminho possível para artesanato? Você acha que uma solução passa pelo design?
De uns 12 a 15 anos pra cá, começou um programa do Sebrae e outras instituições de muita aproximação do design com o artesanato. Já se fizeram muitas ações pelo Brasil inteiro. Mas só o design não é a solução. A solução está muito mais em sanar problemas de gestão e organização das pessoas que produzem, das comunidades e dos artesãos individuais, do que o papel do designer no desenho. Claro que em certos casos melhorou muito, acharam-se caminhos que não existiam. Em lugares se estimulou muito mais o produzir do artesanato e de fazeres manuais, com a entrada do design se conceituou aquele grupo ou se achou o caminho dele. Criou-se um grande boom de pessoas querendo apoiar, estimular e trabalhar com o artesanato. Mas por não se solucionar esse problema maior, quando ainda o mercado está inchado, não se absorve a quantidade de grupos que estão produzindo. Nem só no mercado nacional. E para atingir o mercado internacional, elas precisam se organizar muito mais. Nas comunidades que temos mais próximas, se der algum problema de erro, você acaba consertando, a coisa fica um pouco mais fácil de solucionar. Imagina isso pra fora. Só de transportar, voltar e reorganizar tudo isso, se queima a possibilidade de acerto. O maior problema hoje em dia é a organização e a gestão dos grupos. Porque estão surgindo vários designers que não trabalhavam com o artesanato e que estão entrando nessa área, fazendo coisas muito interessantes. Novos designers, jovens ainda na universidade. Mas se conta nos dedos quem consegue sobreviver efetivamente só com o trabalho dessa produção. E até mais nas grandes capitais: Rio, São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte. Porque no interior e principalmente para quem já vivia disso dentro das suas condições, isso continua.

Você afirmou que um projeto desenvolvido em Santa Maria não vingou por falta de liderança local. Você acha que falta organização nas comunidades para se dedicar ao artesanato? Você acha que as comunidades valorizam a produção artesanal?
Fiz vários projetos em Santa Maria. Dois deles estão de pé, realmente sobrevivendo, e viraram referências para o Distrito Federal e para o país. Para outros Sebraes que olharam para ali não só como o produto que deu muito certo, mas também o produto que puxou o grupo em que já existia uma grande liderança. Mas depois começaram a vir novos grupos com concorrências. E concorrências com melhor qualidade. O preço não, porque estava exatamente igual. Mas, com isso, as artesãs foram perdendo força no mercado. Tinham um grande comprador, que foi saindo de uma e partiu para uma outra que fazia um produto similar. Apesar de que, quando o Sebrae me contratou para desenvolver linhas diferentes na região de Santa Maria, vários grupos faziam pano de prato com linhas diferentes. Conhecendo todas elas e vendo que uma está perdendo a força e a qualidade, o cliente parte para a outra. Ganha quem tem mais qualidade, organização e preço. Aí acho difícil se manter essa chama acesa desde o começo. Por isso falei que falta muito essa organização e esse controle de qualidade, de gestão. Vejo isso em muitos casos. Ali o problema não era o produto, que era muito bom no mercado nacional e internacional. Elas estavam praticamente atendendo o grosso de produção no mercado internacional. Foi exatamente esse problema. O outro grupo assumiu e está empregando. E não é uma questão de falta de valorização do artesanato. Pelo contrário, ali elas valorizam muito. Elas entendem, estão muito antenadas. Sempre no mercado, participam de 10 feiras nacionais anuais. Curitiba, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Alagoas, Mato Grosso. Elas circulam mesmo, são muito empreendedoras. O que pegou foi controle de qualidade e organização empresarial. As partes de estrutura de contabilidade, financeira.

Você acha importante preparar os artesãos para o mercado? Acredita que é positivo o fato das artesãs se formalizarem, cadastrarem-se em instituições como o Sebrae e partir para a formação de associações, cooperativas ou pequenas empresas?
Acho importante. O Sebrae dá esse suporte para elas, e investe nisso. Tem consultores, o balcão Sebrae em todo o país. Mas a forma de como é isso apresentado às vezes deixa dúvidas na cabeça das artesãs. Existe um estímulo muito grande para se formarem associações e cooperativas, mas a maioria dos grupos não tem esse perfil. O perfil é de pequenas empresárias ou de grupos de produção. Precisa-se primeiro ter muito bom conhecimento das pessoas que estão se juntando para trabalhar e qual vai ser essa forma de trabalho. Escolhendo essa forma, aprendendo muito bem a escolher aonde se quer ir, daí sim deve se formalizar. Seja em associação, cooperativa ou pequena empresa. Há vários exemplo por onde vou de cooperativas que deram certo, que começaram como grupos de produção, mas também vários de pequenas empresárias empresariando grupos. E muito mais grupos na informalidade. Mas nesse caso não adianta, porque para eles chegarem a se formalizar, têm que passar por um período de experiência e saber na prática aonde querem chegar, qual o caminho deles. Falamos muito que se montaram associações, pequenas empresas, mas elas não duram nem um ano de vida. Então é melhor trabalhar sabendo qual o perfil para seguir o caminho mais correto.

Você já apontou que, em alguns casos, as artesãs aumentaram tanto a produção que tiveram que terceirizar a mão-de-obra. Como você avalia essa questão?
Acho ótimo. Se elas têm como terceirizar e dar emprego para outras pessoas, acho que é disso que o país está precisando, de gerar renda. Mas tudo depende de como isso é esclarecido. Porque existem grupos que fizeram dessa forma, terceirizaram parte da produção quando a demanda é muito maior do que elas conseguem. Mas elas não mantêm a produção constante, às vezes. Elas mantêm a produção do núcleo. E o que excede, terceirizam em momentos esporádicos. Não tenho nada contra. Só acho que depende da forma como isso é esclarecido. O que não acho legal é os grupos montarem uma associação, colocarem isso no papel de uma forma de cooperativismo, enquanto na prática algumas lideram, buscam mercado para elas e repassam numa proporção muito menor para as outras, com valores mais baixos, para elas controlarem. O produto “x” que vale R$10 e tem mão-de-obra de R$5, elas repassam para uma terceira com a mão-de-obra R$2 ou R$3, porque tem uma outra que controla e faz outra parte do processo. Se isso é esclarecido, acho que não tem problema. O único problema é deixar as coisas obscuras, a comunidade se apresentar como uma associação, quando na verdade o regime não é disso, não é uma coisa transparente. Isso é o que acho ruim.

Tendo o exemplo dos objetos de capim dourado, com o qual você trabalhou, que por muito tempo foi uma produção restrita, passou a objeto de luxo, e agora se encontra em qualquer barraquinha de camelô, como você enxerga a dicotomia em relação ao objeto artesanal que, ao mesmo tempo em que é bastante popular também pode se tornar objeto de luxo?
No caso do capim dourado, eu acho muito ruim. É bom quando o produto consegue atingir essas várias camadas sociais e manter o valor, como foi o caso de Santa Maria. E isso é muito raro de conseguir. Mas tem uma matéria-prima que é preocupante e que faz parte de um processo muito perigoso dentro do ecossistema, de manutenção da flora local, de toda a parte de preservação do meio ambiente. Fui o designer que atuou lá em 1998, faz muito tempo isso. Fiquei de 1998 a 2001, não fui mais durante esses 7 anos. Na época, era uma outra realidade, uma coisa ainda controlada, e permaneceu num mercado que tinha um bom preço, que valorizava toda essa história. Depois que a coisa virou mais popular, não sei te dizer hoje em dia se estimulou a produção. E como aquilo virou uma fonte de renda relativamente fácil, se espalhou muito rápido. É como o ouro. Na Serra Pelada se achou ouro e pouco depois se esgotou. Ali também se achou o capim dourado e logo aquilo acaba. É o uso desgovernado de uma matéria-prima, sem controle. Isso a meu ver durante esses 7 anos, mas sem saber o que eles estão fazendo para preservar, controlar e organizar esse meio ambiente agora. Na época, já se preocupava muito, porque o capim dá uma vez por ano, só depois da queima é que ele brota. Acho que precisava se preservar essas comunidades onde isso nasceu. Foi estimulada a produção do capim dourado em vários outros pontos do estado, no Tocantins. Mas ele acabou até que por outro lado banalizando um pouco, porque também vieram vários desenhos que o deixou um pouco popular demais. Nada contra um produto que atinge essas várias camadas, mas em termos de materiais que se agregaram ao capim durado, perde-se o brilho dele. Por exemplo, quando fui trabalhar com outro grupo, o Flores do Cerrado em Brasília, a matéria-prima natural é por excelência rica, nobre, espetacular. Como é o caso do capim. Mas como foram colocados produtos em cima delas, como tintas erradas e purpurina, foi se camuflando e sumindo aquela matéria. No capim dourado, isso atrapalhou muito. Na época em que fiz o trabalho, era só o capim dourado, só a matéria-prima com formas que o valorizavam.

Você usa matérias-prima da região, materiais reciclados, restos de outros materiais. Como é possível aliar estética, tradição, inclusão social e desenvolvimento sustentável na produção de objetos?
Eu conto nos dedos alguns projetos em que trabalhei em que isso é muito claro e bem organizado. Tem grupos no Sul, onde trabalhei por muitos anos, que trabalham com a matéria-prima local, no caso a lã pura. E essa lã se transformou em produtos que atingissem essas várias camadas, que num país quente conseguiram furar a barreira e vender em mercados onde nunca se imaginaria, como o Nordeste. E se mantêm muito forte como uma cooperativa, muito bem organizados. O grosso da comunidade sobrevive desse trabalho, não tem outra fonte de renda, não existia outro trabalho na região. E é uma matéria-prima nobre, da região, que não agride o meio-ambiente, porque a lã tem uma tosquia a cada ano. Ali está tudo muito integrado, é um projeto de sucesso. Tenho outros exemplos, mas em que a matéria-prima não é a força total. Grupos de reciclagem, como no Distrito Federal, grupos que vêm atuando e comercializando também com essa transparência. Grupos fazendo crochê com tampinha de Coca-Cola. Elas vendem muito mais para o mercado externo, e vivem disso. Mas é um caso diferente do Sul porque a matéria-prima é de resíduo urbano.

Você trabalha bastante com o lado do artesanato como atividade cultural, sendo o trabalho incorporado à vida da comunidade. Qual a importância que você vê em manter essa conexão com a estrutura orgânica da vida da comunidade? Nesse aspecto, vê diferenças entre trabalhar com comunidades rurais mais isoladas e comunidades urbanas?
Comecei na área rural. Consegui desenvolver meu trabalho e organizar minha vida e minha história na área rural durante esses 22 anos que trabalho no interior de Minas Gerais. E fiz isso em várias regiões do Brasil. Na área urbana, onde tive maior sucesso e experiência foi no Distrito Federal. É onde tenho a maior intimidade, trabalho com 25 comunidades. Como tudo, temos que ter um foco de mercado, de conceito, de ideais, de pesquisa, de criação. E é isso o que tento buscar em cada uma delas. Hoje em dia tenho dirigido vários grupos até achar esse caminho: Qual o caminho desse grupo? Por que elas se juntaram? Qual o conceito? Onde elas querem chegar? Qual o mercado delas? Porque às vezes o mercado nem é tanto como a gente imagina que vai vender pra Nova Iorque ou Londres, vai vender ali do lado mesmo, na própria região delas. Como achar esse produto, esse conceito e fazer isso brilhar? E para isso, tenho que mergulhar profundamente na vida delas. Saber o que elas querem da vida, o que querem com aquele trabalho, o que as satisfaz, o que as motivou, qual o fio condutor que faz uma ter a ver com a outra dentro de um grupo. Não vejo outra maneira de se fazer dar certo se não todo mundo trabalhando com o mesmo objetivo, o mesmo prazer, a mesma garra e conforto. Esses exemplos que citei deram certo por isso. Porque fica uma coisa muito verdadeira. Além do mais, quando ela faz e acredita no produto, ela usa isso. Usa do que ela faz, incorpora aquilo. Ela tem prazer em dar como um presente, em se vestir com aquilo, em decorar a casa dela com o que ela faz. Quando isso se mostra, é porque a coisa está começando a funcionar.

Você costuma trabalhar mais com artesãs do que artesãos? Vê uma maior incidência da presença feminina no artesanato? Acha que há alguma diferença em trabalhar com um ou outro?
O grosso são mulheres mesmo. Como eu trabalho muito mais com o têxtil, e eu comecei sendo o próprio artesão, essa área de uma forma ou de outra tem muito mais o feminino. Por isso meu trabalho tem um público mais feminino. Mas se eu estivesse atuando mais com marcenaria, talvez tivesse um público mais masculino, mas em muitos casos, tenho grupos masculinos. Na África mesmo, a maioria dos grupos são masculinos. Trabalho com um grupo de escultores de madeira que é 100% masculino, e são idênticas as preocupações, as necessidades. Tudo o que falei vale tanto para um como para outro. Não sei te dizer exatamente qual o percentual geral no país, se mais feminino ou masculino. Mas é até interessante saber nos cadastros, se existe até uma pesquisa em relação a isso, acredito que sim.

Qual o papel do design num país de forte tradição artesanal?
Como eu venho de uma formação autodidata, sendo o próprio artesão, e do artesão me tornando o designer e do designer para o consultor, e do consultor para o diretor, acho que o papel do design, claro, está muito na pesquisa de mercado. Porque na hora em que o designer vai desenhar e criar o produto ele tem que entender qual o mercado que ele vai atingir, de que forma vai ser atingido, e como essa comunidade vai ter o entendimento e acreditar nesse desenho. Não sei de outra forma se não for assim. Tudo o que consegui de bons resultados é porque eu sabia exatamente o foco de mercado, a maneira de como apresentar, o conceito. E principalmente porque passei isso com muita segurança para as artesãs. E essa segurança que passei é porque eu sentia que nos grupos o caminho que foi definido para cada uma delas era aquele e elas também quando entram nessa linha de pesquisa, de inovação, de organização, de qualidade, esse foco de mercado, começam a ter mais resultado. Porque, na maioria das comunidades em que vou, as mulheres fazem um pouco de cada coisa, e o produto não aparece. Porque não se tem uma perseverança de fazer um mesmo produto e esse produto caminhar, melhorar e crescer e ser explorado até os seus limites. Desde as pesquisas de materiais, de qualidade, de técnicas.

Como fazer uma boa aliança entre designers e artesãos?
Essa é a aliança que acho fundamental. Um excelente respeito e confianças mútua. Tem que se ter uma excelente integração, e aí as coisas funcionam. Mas para isso acontecer, não tem uma regrinha. O que acho que dá certo, deu muito certo em alguns casos comigo, é porque eu falo a mesma linguagem delas. Tenho a mesma necessidade, sei quais são os problemas que elas poderão enfrentar pelo desenho, pela qualidade do produto, pela organização delas, pela forma como vão atingir seu mercado. Falo muito e elas sentem muita confiança. É a maneira de abordar o artesão. Você tem que segurar a onda quando você tem 20, 30 pessoas. Ou até muito mais, às vezes trabalho com 100 pessoas. E como você vai manter aquela chama acesa o tempo inteiro? Isso faz parte da direção que acabo fazendo muito mais do que a criação do produto. Em todos os projetos sempre crio uma parte. Hoje, em muitos projetos, não crio a coleção inteira. São vários designers que trabalham comigo para pensar, quando tenho um grupo enorme assim. A confiança também é exatamente por, na minha trajetória, eu ter vivido na prática o que é produzir, comercializar, ter produto de qualidade, ter que inovar a cada “x” tempo, e estar o tempo inteiro no mercado. Como eu era o próprio tecelão, eu tinha que produzir e achar qual era o meu mercado e como vender aquilo. Como o tempo inteiro eu sobrevivi assim, eu consigo entender e explicar para elas como a gente chega lá. Você fez um produto de excelente qualidade e não conseguiu vender. Por quê? Porque não estava sendo exposto da maneira correta, porque não estava sendo vendido para o público correto? Como chegar lá? Como furar essa barreiras? Às vezes não vendeu na primeira ou na segunda feira, ou porque o preço estava errado, ou porque o produto não era para o público da feira. Se você tem a segurança firme naquele material, você vai a fundo, até o fim. Abaixa o preço para atingir aquele mercado, aumenta a produtividade, melhora a qualidade, ou muda a cor. Você tem que fazer um estudo. E às vezes a coisa tem que ser muito rápida, imediata.

Sobre a questão do diálogo entre designers e artesãos, até que ponto o designer pode intervir no trabalho de artesãos? Como saber quando, em que e de que maneira intervir?
Os artesãos dão algumas dicas. Mas na maioria das vezes, não é o artesão que pede para o designer falar. São raras as vezes em que se vê os grupos com suporte financeiro para contratar o designer. Agora três comunidades vão pagar para eu desenvolver os trabalhos. As comunidades vão pagar um percentual, e a instituição, outro. São poucas que você vê que têm essa fome, essa sede, de pensar que o papel do designer é importante. Porque não há pessoas na própria comunidade que sacaram, que aprenderam, ou que são criativas o suficiente para inovar o tempo inteiro. Mas existem casos em que a comunidade absorveu muito bem o papel e o conceito, como é a Lã Pura no Sul. O grupo inteiro são mais de 30 pessoas, mas duas mulheres do grupo são mais atentas ao processo de criação e ao conceito. Elas entenderam muito bem a base. Na última participação na feira, elas fizeram por conta própria todas as inovações de desenho, as variantes dos caminhos. Se você vem com uma coleção de 30 peças com variantes de cores, elas te apresentam mais 30. Porque em cima daquilo elas ampliaram o olhar na mesma direção ou até em direções complementares. Acho que o designer tem o papel de abrir o olhar, mas o papel fundamental é de fazer um bom produto. Como ele vai realizar isso, depende de toda uma infra-estrutura por trás. A estrutura física e a humana. Como essa estrutura vai entender? Ela está aberta para isso? Ela tem vontade, capacidade? Tem um exemplo no Maranhão em que fui para uma comunidade apresentar 30 produtos e fiz mais de 60 porque a comunidade me pedia: “Tem mais alguma novidade?”. E elas me respondiam imediatamente. Eu dizia: “Acho que vocês podem chegar nisso. Vamos abrir para uma outra parte da coleção?” E elas faziam. Eu fiquei 10 dias. Se tivesse ficado 20, teria mais variantes de produtos porque elas me respondiam rápido. Não só na produção, mas também na qualidade e na vontade. Porque elas sabem que o mercado está atento a novidades, quer qualidade, quer bom desenho, então aproveitaram ao máximo.

Em seus trabalhos, pode-se dizer que há uma troca, ou seja que você acrescenta algo ao trabalho dos artesãos, mas que também os artesãos acrescentam algo ao seu trabalho? Você acha que é possível incentivar não só o design a ir até os artesãos, mas também promover uma valorização tal que possibilite o contrário? Você já fez trabalhos pessoais e com a comunidade. Como você distingue o que é trabalho pessoal e o que é trabalho atribuído às comunidades?
A troca há o tempo inteiro. Quando a coisa é só de um lado, fica pobre. Não fica bom. Fica difícil até de lidar, você acaba cuidando demais e o artesão fica sem estímulo. E aí você não consegue realizar, porque depende das mãos deles. Não só das mãos, mas de toda a vontade. É uma troca contínua, o que falei sobre entrar na intimidade e ser um pouco cúmplice. Essa cumplicidade com o outro é que faz funcionar. Eu respeito demais o produto que desenvolvo para aquela comunidade. Tanto é que, cada vez mais, tenho investido nas consultorias e na direção mais do que na minha própria marca como produto. A minha marca se mantém, no interior de Minas Gerais, vimos fazendo muito mais brindes. Eu repenso em fazer, mas não levo o que eu fiz como consultor para minha marca pessoal. Nunca fiz, e nem faço igual de uma comunidade para a outra. Não faço com o mesmo conceito. Eu preservo demais, e falo demais para acharmos nossas identidades, nossas raízes, nossos ideais, nossa linha de conduta. E as artesãs buscam o designer sim. Se falarmos nesses 10, 12 anos, se fala muito no Brasil que o design soluciona tais problemas. Não só as instituições, a mídia, em várias instituições, debates, conferências. As artesãs estão atentas, sabem o que é isso. No começo se falava em design – e em alguns casos isso persiste – e ninguém sabia o que é. Mas algumas artesãs já estão muito espertas, entendendo muito essa diferença. E pedem a presença do designer.

Você viajou o Brasil inteiro, conheceu artesãos em vários lugares. Você diz que tentava fazer com que eles trocassem experiências entre si. Como você avalia esses diálogos? Que projetos surgiram a partir dessas trocas?
Isso aconteceu várias vezes. Cada vez mais, de 8 anos pra cá, tenho feito essa mescla de levar artesãos das comunidades de sucesso para outras que estão começando a achar seu caminho. Isso não só no Brasil, mas também em Moçambique, na Itália, ou no próprio Japão. Fiz esses intercâmbios de saberes. E as pessoas recebem muito bem. Porque estão falando a mesma linguagem, têm as mesmas necessidades. E principalmente tenho feito isso para encurtar caminhos. Porque, se levo uma pessoa que passou por todas as dificuldades e ela explica para a outra como chegou ali, diminui certos atritos.

Você está sabendo do 1° Prêmio Objeto Brasileiro? O que espera do prêmio? Acha que essa iniciativa pode contribuir de alguma forma para o panorama do design e do artesanato no país?
Acho que sempre são muito bem-vindos esses vários prêmios que vem acontecendo. Primeiro, o prêmio do Museu da Casa Brasileira, agora o de A CASA, e de algumas revistas. Todos os prêmios ajudam. Infelizmente, nunca me inscrevi em nenhum deles, mas sei que várias das comunidades em que participo vão se inscrever. Eu vou torcer bastante para que uma delas ganhe. E elas vão se inscrever como as próprias comunidades, não eu como designer. E a divulgação está espetacular. Recebo sempre e-mails lembrando que o Prêmio está aí. Espero que elas mandem suas inscrições.
Autor:
Lígia Azevedo
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Um comentário:

Syamala-devi dasi disse...

nosssaaaaaa, eu amei! eu já tinha admiração pelo trabalho do Renato mas não sabia que além de artesão designer e consultor ele sabia tanto sobre tudo isso. Eu trabalhei por muito tempo coordenando um grupo de mulheres e com certeza me inspirei muito no trablaho do Renato. Parabens pela entrevista!dati