3/03/2010

Um comentário tecido à moda barroca!


Mary Saldanha, Designer e Tecelã

Mauro Borges
Mary Saldanha preserva a arte da tecelagem artesanal em Mato Grosso do Sul
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Luca Maribondo · Campo Grande, MS
11/2/2007 · 81 · 10

MARY SALDANHA

d'aprés Millôr Fernandes


Mary Saldanha nasceu em Natal, capital do Rio Grande, o do norte, tal e qual o ex-presidente Café Filho, o escritor e folclorista Luís da Câmara Cascudo, o ex-jogador de basquetebol Oscar Schmidt e o cantor Gilliard (lembra-se dele?). Poderia ser gaúcha, mas como —já foi dito aí em cima— nasceu no Rio Grande do Norte, é potiguar mesmo. Como potiguar quer dizer comedor de camarão, ela não só come como cozinha ótimas receitas com os tais crustáceos decápodes. Mas não dá as receitas. A não ser que você implore. Pra criar usa falanges, carpos e metacarpos, além de eminências tenares e eminências hipotênares, lumbricais e interósseos, isto é, músculos e ossos daquilo que os anatomistas chamam de quirodáctilo. Calma, calma, não corra aos dicionários; quirodáctilo é o nome científico das suas mãos. Aliás, com as suas duas mãos consegue executar uma terceira para os melhores tecidos que faz. Tem uma filha dourada a quem chama de Thera, misteriosamente nascida, há alguns poucos anos, da raça cocker spaniel. O que ela faz, faz, e o que não faz deixa pros outros fazerem. Tem muitos amigos, nenhum inimigo, quatro irmãs (uma família essencialmente de mulheres), um monte de sobrinhos, uma máquina de costura velha, uma porção de teares manuais, muita determinação profissional e quando crescer quer ser menina outra vez. Já foi jornaleira e revisteira, mas cansou-se das letras. Tem uma saúde de ferro, mas preferia de alumínio, que não enferruja. É mulher, o que até um cego pode ouvir com clareza. Fala muito, mas às vezes cala e consente. Muitas vezes até se arrepende e acaba colocando fogo às vestes depois de botá-las bem longe do corpo. É aficionada por filmes cabeça, embora nem sempre tenha cabeça pra entender certos filmes não-cabeças. Rambo, nem pensar —e Rambo pensa? Uma das suas ambições era ser rapsoda, mas contenta-se mesmo em ser designer: para isso estuda numa Universidade Católica, muito cristã por sinal. Entrou na universidade já madura, mas não pretende jogar as cascas fora. Perfeccionista nata, tece tecidos que são o melhor que existem no artesanato local. E nos distantes também. Vive atarefada, o que a torna azafamada e, mais que isso, afamada. Sua agenda de papel lembra bíblias evangélicas: repletas de texto e rôtas. Adora voar em aviões de rosca, mas nunca entrou num. Da rosca mesmo, ela só conhece mesmo é o furo. E a massa. E as maçãs. É professora de mãos cheias. Mas como a maioria dos professores, quase sempre sai da lida de mãos vazias. E é ótima nas artes do artesanato em teares. É tão boa que está sempre dando cursos em ali e alhures. E dalhures. É a professorinha de tecelagem mais viajada da Guaicurúndia. Já esteve em terras distantes: Porto Murtinho, Ponta Porã e outras plagas. Até esteve além mar, conhecendo o artesanato das terras lusitanas. Possui dois instrumentos de audição, dois de visão, um (bifurcado) de olfato, um gustativo (devidamente alimentado), mas é boa mesmo no tato, principalmente quando fica cheia de dedos. Daí sua habilidade com as mãos. Gosta do vento (não fosse natalense), mas não vive de brisa. Por isso, precisa vender seus tapetes, caminhos de mesas, jogos americanos, mantas e cachecóis, que produz trabalhando de sol a sol, isto é, de auroras a arrebóis. Por isso, pra encerrar este perfil feito cara a cara, ela convida: "Passa lá. Passa lá no Ateliê Terra & Trama. Fica em Campo Grande (MS), na Cândido Mariano, 2570, quase esquina com a Dr. Arthur Jorge, pertinho da Maternidade. Você também pode chamar 67.3321.6994 ou o telemóvel 9903.1252". Depois dos nossos comerciais escancarados, com as devidas escusas aos leitores do Overmundo (um comercialzinho de arte só, gente!), só desejamos informar que em uma pesquisa que fizemos entre seus alunos, clientes e usuários (da tecelagem), descobrimos que 63,3 por cento acham tudo o que ela faz sensacional. Os outros 36,7 por cento não responderam por uma questão de ética: são da família. Ela tem trabalhado muito e sabe que está com os dias contados (exatos 17.197 dias quando este texto foi concluído).


Campo Grande, 6 de fevereiro de 2007
Luca Maribondo
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Um comentário:

René Scholz disse...

Vejam que maneira excepcional de se tecr um comentário: cheio de nós, dos mais complexos, cheio de tramas, de cores, de palavras "pedras" que devem ser analisadas para boa cognição. Enfim , um texto digno de constar nete blog.